BETIM, UM PARAÍSO SENDO DESTRUÍDO
SOMOS INVISÍVEIS.
Sou
presidente voluntário de um asilo para pessoas carentes, um título muito
pomposo para uma instituição que somente oferece casa e comida. Não sei se sou
responsável por vidas ou por morte dos cinquenta internos sendo que somente uns quatro
recebem visitas de vez em quando, mesmo assim de não parentes.
São
doze acamados e mais de vinte com algum tipo de distúrbio mental.
Não sei se por problema de arquitetura ou por falta de dinheiro, aqui não temos
alas separadas para homens e mulheres. Muitas vezes parece que estamos em um
jardim de infância e os nossos moradores, como crianças, ficam esperando alguém
chegar com um presente que pode ser simplesmente um gesto de carinho.
Esquecidos
pela família, abandonados pela sociedade e deserdados pelo governo!
Quase
nenhum sorriso espontâneo, alguns lamentos ecoam pelas paredes parecendo
querer gritar aos quatro cantos que o abandono é a mais terrível forma de
aprisionar.
Na
enfermaria corpos esqueléticos que há muitos anos não recebem o afago de um
parente ou mesmo de um amigo mais próximo.
Nesta
altura da vida famílias e amigos são apenas lembranças.
Apesar
de tudo tentamos fazer da casa um ambiente alegre e um lugar agradável.
Tentamos!!!
Mas como transformar um depósito de pessoas em um lugar agradável e bom para se
viver e bonito para se olhar?
Se
somos invisíveis?
A
sociedade insiste em não enxergar a casa mesmo estando ela cravada no meio de
uma dos bairros mais antigos e tradicionais da cidade.
Do
pátio vislumbramos a torre de uma igreja onde os nossos vizinhos dizem ir se
encontrar com Deus e fortalecer os contatos com a comunidade, mas a criatura
fecha os olhos e ouvidos para os apelos do Criador:
“Eu
estive preso e me visitastes”.
“Estava
nu e me vestistes”.
Somos
vizinhos de uma das mais importantes universidades do país.
Ela
também nos ignora.
De
vez em quando, usa o nosso espaço e as nossas carências e o abandono dos
moradores como cobaias para estagiários que são como o vento, alguns passam e
deixam o frescor de uma brisa ou o estrago de um vendaval e vão embora. São
como namorados que se apaixonam ao primeiro olhar, trocam juras de amor e
deixam rolar algumas lagrimas e enxugam o rosto e se afastam para sempre.
O
governo sabe que a casa existe, mas têm outras prioridades, as que dão retorno
político, como obras eleitoreiras e assistência social para tirar retrato.
Aqui
nós não falamos de política partidária e os nossos moradores não são eleitores
e não tem a quem pedir para votar em alguém.
Todo
mês somos agraciados com uma pequena ajuda de custo que não deixa de ser
importante, o que nos aborrece é ter que manter uma placa dizendo que existe um
convênio entre a instituição e o governo.
Que
não admite que as instituições de caridade realmente sérias são o pêndulo da
balança que equilibra o serviço social e o orçamento lapidado e roubado por políticos corruptos.
E nos tratam como mendigos que precisam esmolar nas esquinas para não morrer de
fome.
No nosso caso, somos na verdade uma unidade de saúde que desafoga o atendimento
médico do município, mas que não pode sequer disponibilizar um profissional formado
na área médica e somos obrigados a frequentar os famigerados postos de saúde e
constantemente somos fregueses mal atendidos nos postos de atendimento de
urgência.
A única esperança é de um dia, nós enquanto instituição, a sociedade enquanto
responsável e o governo enquanto obrigado a cumprir a constituição, unirmos
forças para mudar este lamentável equívoco em que se transformaram essas casas.
Precisamos lutar e não medir esforços para dar um tratamento digno aos filhos
de Deus, enteados padastros ou madrastas ruins da sociedade. Filhos
bastardos e deserdados do governo, que tiveram coragem de vencer as agruras da
vida e envelheceram. Só assim podemos evitar que este grito de lamento ou de alerta fique
pairando no ar e infernizando as cabeças e o pensamento dos que insistem
ignorar a vida, mesmo agredida, que renasce em cada morador novo que chega.
Queremos
que olhem para dentro desta casa com o mesmo olhar que os moradores olham para
fora.
Loucos
para dar um grito de LIBERTAS QUA SERÁ TAMÉM.
Respeitem
a nossa liberdade e o nosso direito de viver com dignidade.
ESTE
TEXTO FOI ESCRITO NO DIA 17/02/2007 e hoje O LAR VICENTINO DIVINVO FERREIRA
BRAGA é referência nacional da SSVP no Brasil. È também, sem sombra de dúvida a
melhor casa de acolhimentos de idosos carentes da grande Belo Horizonte.
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