14 julho, 2024

DESABAFO

Escrevi este texto em julho de 2009 e resolvi publica-lo mais uma  vez para servir de reflexão para quem ainda convive com seus pais e suas mães.

Fico observando os filhos visitarem os pais no Lar Divino Ferreira Braga, um asilo de caridade da Sociedade São Vicente de Paulo na minha cidade. A maioria dos moradores são visitados pelos parentes nos três primeiros meses, mas depois são apenas lembranças e menos um estorvo para serem cuidados dentro de casa. De vez em quando alguns são levados para almoçar nas suas casas, e como presidente do Lar não sei se isto é bom para os moradores porque não deve ser nada agradável ficar remoendo velhas lembranças.
Vejam por que penso assim: Um pai, uma mãe ou um irmão ficam o tempo inteiro sentados olhando para as paredes ou agarrados nas grades das janelas do asilo olhando para a rua como se fossem prisioneiros da amargura, e em um domingo de manhã saem
para almoçar com os irmãos, com os filhos, com a esposa ou marido e com netos ao seu redor, e à tarde são novamente levados para os seus quartos no asilo para voltar a ficar o tempo inteiro sentado olhando para as paredes ou agarrado nas grades das janelas do asilo olhando para a rua como se fosse mais um prisioneiro da amargura.
Hoje travei um longo diálogo com uma amiga advogada que é mais uma adepta da lei contra o asilamento das pessoas. Falamos sobre o Estatuto do Idoso, que no papel nos dá a impressão de que nós da terceira idade viveremos num paraíso. Este estatuto obriga as pessoas cuidarem dos seus parentes, em muitos casos, nada queridos. Os legisladores não levaram em consideração a condição socioeconômica das pessoas que em muitos casos não têm nenhuma condição financeira ou emocional para assumir tal obrigação. e esqueceram também que nenhuma lei conseguirá colocar amor e caridade no coração das pessoas. O estatuto também prevê que: “Todo idoso tem direito a um acompanhante quando estiver hospitalizado” com a alegação de que isso ajudará na recuperação do paciente, mas os hospitais públicos transformaram este direito em obrigação alegando falta de funcionários. Será que os legisladores sabem que a maioria dos acompanhantes são pessoas estranhas contratadas para tal função? Hoje, junho de dois mil e dezenove, a remuneração dos acompanhantes em dois turnos custa aos parentes a quantia de R$ 200,00 por  dia, ou seja, R$ 6.000,00 por mês. Enquanto isso, milhares de técnicos e auxiliares de enfermagem que pagaram caro por um curso na esperança de um emprego estão desempregados enquanto uma grande maioria dos políticos e funcionários públicos corruptos, (existem belas e magnificas exceções), descaradamente desviam as verbas destinadas à saúde para os seus bolsos. Já que estamos falando de saúde e de cuidados, vejamos... Uma pessoa pobre tem condição de cuidar de um parente acamado em casa? Coloque-se no lugar de um assalariado que precisa trabalhar para sustentar sua família. Quando o seu ente querido precisar de acompanhante em um hospital ou de alguém para o acompanha-lo no seu domicílio, este cidadão terá que parar de trabalhar? Quando se tem uma boa condição financeira tudo é muito simples, mas infelizmente a realidade é outra e muito mais perversa, e a crueldade é real. Esta realidade nos mostra filhos e netos explorando seus pais e avós os obrigando a cuidar dos seus netos e bisnetos.
Vamos ser bem práticos: Quantas pessoas você conhece que pode levar um pai, uma mãe ou um irmão com problemas mentais ou outra enfermidade para dentro de suas casas deixando-os ficarem com seus filhos enquanto o casal sai para trabalhar?  
Em sã consciência, nenhuma! E vem os políticos, com a conivência de muitos psiquiatras e psicólogos e fecham as casas de acolhimento para pessoas com problemas mentais com a balela de que é preciso socializá-las. Eu disse acolhimento, não de tortura como eram os antigos Manicômios onde funcionários sem escrúpulos e sem alma recebiam salários para torturar pessoas. Quando fecharam essas instituições agravaram o convívio familiar das pessoas mais pobres que de uma hora para outra tiveram que alterar toda rotina da família. E todos os anos assistimos pessoas que nunca sofreram na pele as tristezas de verem suas casas se transformarem em um hospício indo para as ruas comemorar o dia ANTI MANICOMIAL, que na verdade é contra a internação de pessoas doentes. Precisamos sim, de mais casas para acolher pessoas com problemas mentais. Casas como o Lar Vicentino Divino Ferreira Braga em Betim-Mg, que cuida de cinquenta moradores, na sua grande maioria com algum  distúrbio mental por doença ou por velhice, e que são cuidados com o carinho e respeito que todo ser humano merece e deveria ser cuidado. E que mesmo sendo uma instituição de caridade também paga acompanhante quando um dos seus moradores é internado no hospital público da cidade, porque os empregados que cuidam da casa são insuficientes para esta tarefa. Se as pessoas com algum distúrbio mental não podem ser internadas para tratamento, elas terão que perambular pelas ruas como cachorros sem dono? Se as Instituições de caridade não cuidarem dessas pessoas, o poder público tem  condições de assumir tão sublime responsabilidade?
Filhos cuidando de pais.
Irmãos cuidando de irmãos. 
Netos cuidando dos avós. 
Isto seria viver no paraíso. 
Espero estar enganado, mas esta utopia está longe de ser posta em prática.
Mas eu desabafei.         

Um comentário:

  1. Um desabafo de uma situação tão gritante.
    Ao ler as suas palavras, vi como também é em Portugal
    De acordo com dados revelados pelos Censos , somos cada vez menos e estamos mais velhos. O número de pessoas em Portugal com mais de 65 anos duplicou o que faz de nós um dos países mais envelhecidos da União Europeia.
    No entanto os nossos governantes pouco ou nada fazem
    Os cuidados são frágeis e insuficientes.
    Portugal está muito longe de assegurar soluções dignas e suficientes aos nossos idosos
    Como alguém disse " "Um país define-se pela forma como trata os idosos”
    Gostei muito do seu desabafo.
    Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
    Fernando Birri,
    Abraço****

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