28 março, 2024

AGONIA DA INDIFERENÇA

 


Estou sentado na recepção do asilo Divino Ferreira Braga aqui na minha cidade de Betim, Minas Gerais. São quinze horas de um sábado ensolarado e mais um dia sem visitas para quebrar o silêncio que incomoda. Os treze degraus da escada e a pequena passarela de cimento que leva até o portão parecem obstáculos instransponíveis, e o portão fechado mais parece o de uma prisão. Pessoas passam na rua e de vez em quando alguém acena para um morador que fica horas segurando na grade da janela do seu quarto como se fosse um prisioneiro da velhice. A maioria dos moradores sofre de algum distúrbio psíquico e para eles viver é apenas ficar olhando para o vazio, e mesmo nas suas insanidades, muitos sabem a hora certa das refeições e reclamam quando elas atrasam.
A maioria das pessoas olham para os idosos como algo que já não serve mais e muitos esquecem que se não quiserem ficar assim ou vir morar aqui terão que morrer ainda jovens. 
Todos nós iremos envelhecer!
Aqui dentro o silêncio é quebrado pelo som de um rádio que a maioria finge escutar e pelas rusgas entre moradores por qualquer motivo banal.
O barulho da água do aquário parece gritar contrastando com o silêncio dos peixes e dos moradores. 
Muitas vezes nem os velórios são tão silenciosos. 
Tem-se a impressão que o morador fica esperando a morte tomá-lo pela mão para tirá-lo da agonia da indiferença. E assim as horas vão passando e a tristeza parece entranhar nas paredes da casa provocando gemidos de saudade. Os moradores do lar só olham para frente porque tudo  ficou para trás, Casa, filhos e filhas, maridos e esposas, netos e netas, irmãos e irmãs e amigos e amigas são apenas vagas lembranças, muitas vezes amargas e com raríssimos lampejos de doçura. Por coincidência, o telefone tocou e o filho de uma moradora ligou para saber se sua mãe ainda estava viva para vir visita-la. Morando a apenas cem quilômetros de distância não a vê há mais de quatro anos. E de fato, no outro dia ele veio visitá-la, e quando estava saindo eu lhe dei esse texto que acabara de escrever para ele ler na viagem de volta, e pelo que sei até hoje não voltou para uma nova visita.
No entorno do asilo estão instaladas algumas igrejas de todos os credos e os fiéis fingem não ver o asilo e acham que Deus os espera somente nas igrejas e nos templos. Os ministros com suas vestes brancas nem sequer olham para o prédio que é a morada do verdadeiro Cristo e não se lembram do que Ele disse: “Eu estive doente, preso, e me visitastes”.
A tarde vai caindo e os últimos raios do sol vão embora levando junto a esperança de recebermos uma visita. A noite cai e é hora de ir para a cama lutar contra o pensamento que teima em espantar o sono.
.Os dias parecem se repetir e as horas parecem eternas.
Seria tão fácil mudar esta rotina. Aqui fazemos o possível para amenizar a nostalgia que se transforma em tristeza, mas muitas vezes nos sentimos impotentes e tiramos da impotência os estímulos para amenizar a vida de quem desaprendeu a arte de viver.

3 comentários:

  1. Gostei muito de ler o seu excelente texto.
    Dias de luz e esperança...
    Boa e santa Páscoa.
    Abraço amistoso.
    ~~~

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  2. Olá, Geraldo!
    Espero que estejam todos bem. Que texto!
    Doce e Santa Páscoa.
    Abraços para todos.

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  3. Passe um bom Domingo de Páscoa, Geraldo.
    Deixei um postal no blogue Encontro de Amigos.
    Gostaria de o ver por lá.
    Abraço pascal
    ~~~

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