A
água brota da terra para dar vida ao mundo e aí começa mais um mistério de vida
e de doação. É um novo: “Faça-se em mim segundo a sua vontade”.
E
devagarzinho ela vai ganhando corpo, incorporando novas águas, formando
córregos, riachos, lagos e rios caudalosos que correm para os mares que nos
encantam. Enquanto ela faz parte da natureza dentro de uma mata fechada, no
alto de uma montanha, ou no fundo de um vale , ela é pura e casta. E aí
deparamos com um outro mistério, ela corre para matar a sede de quem tem sede,
irriga os campos para matar a fome de quem tem fome e se compara com Aquele que
nos disse: “Eu vim para que todos tenham vida. Ela corre para salvar, mas quem quer a
salvação? Antes de entrar em contato com o ser humano ela descia as
encostas cantando sobre as pedras uma melodia que acalmava e acalentava os corações
e as almas inquietas. Ela não pode parar! A sua sina é penetrar no meio das
pessoas porque nascemos mergulhados nela e poucos sabem que somos mais água do
que massa. O seu destino não é ficar escondida no fundo das cavernas, no
meio da selva ou no cume das montanhas. Ela nasce para servir. Quando
a sua inocência cristalina é levada pela correnteza até as grandes cidades
visualizamos mais um mistério. Sua intimidade é invadida e seu leito é coberto
de lixo e de entulho e seus peixes foram substituídos por animais
peçonhentos. Esses mesmos peixes que se juntaram aos cinco pães
para alimentar as multidões e que hoje morrem asfixiados pelos dejetos
industriais carregados de veneno e mais uma vez nos foi e continua sendo dado o
direito de escolha: “Manda a lei que eu solte um prisioneiro, quem vocês
querem que eu solte"? E a vida daquele que morreu por todos nós foi
trocada pela de um malfeitor. Assim acontece com a nossa irmã água. Fomos
novamente chamados a escolher entre a preservação da natureza ou o progresso devastador. E mais uma vez
fizemos a escolha errada e a condenamos a abrir seu caminho no meio de uma
pasta gosmenta, e a ficar exposta no meio do estrume da nossa ignorância. Sua
carga ficou pesada demais, como a cruz outrora também pesou. Teimosa, ela
insiste em correr no seu leito profanado mesmo quando ele é desviado do seu curso
natural para dar lugar a uma obra qualquer que trará visibilidade política para
alguém que não sabe o que é preservação. Ela continua seu calvário até que a
ignorância suprema a impede de prosseguir, e morrendo, não consegue mais
abrir o caminho para salvar aqueles que a agrediram. “Seus netos vão lhe
perguntar em poucos anos pelas baleias que cruzavam o oceano”, já nos alertava
o Rei Roberto Carlos na década de setenta.
Alguém
ouviu este aviso? Meus filhos não
conhecem os filhos do rio que também são teimosos como a mãe e insistem em
cumprir o destino de “alimentar esta gente". Eu tenho saudades da
água da minha infância. Da cisterna, do riacho, da lagoa e do
rio. É claro que não quero que tudo volte a ser como era antes, mas se não
nos importarmos e não defendermos a nossa irmã água que está dentro de
nós e em tudo aquilo que vemos e tocamos, e que sabemos que um dia vai secar,
estaremos condenando nossos filhos e netos a sofrerem o mais terrível dos
martírios.
Precisamos salvá-la de nossa própria inconsciência.
ResponderExcluirObrigada pela visita.
Olá, Geraldo.
ResponderExcluirTem uma homenagem para você lá no blog.
Abraços
Geraldo, precisamos salvar-nos para salvarmos o que resta de natureza, ainda.
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