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ATÉ NAS TREVAS SENTIMOS A PRESENÇA DE DEUS |
Sou um andarilho. Minha
vida é um vai-e-vem sem fim. Sou visto nas periferias onde muitas pessoas me
conhecem. Também frequento os bairros nobres onde poucas pessoas me cumprimentam.
Ultimamente tenho andado
um tanto intrigado.
À tarde, quando estou de
frente para o pôr-do-sol não consigo enxergar a beleza dos raios se escondendo
aqui para ir embelezar o outro lado do mundo. Na manhã seguinte, quando estou
de frente com o astro rei também não consigo vislumbrar o milagre de um novo
dia. Olho ao redor e
não vejo nenhuma harmonia no balanço das árvores. Talvez porque estejam de luto
pela agonia que está sofrendo a nossa irmã água, e a nossa irmã terra. Quando o vento
bate no meu rosto não consigo esboçar nenhuma reação, mesmo sabendo que esse
irmão, quando está calmo, é como a pessoa amada que descobre os pontos
vulneráveis do outro, em uma sintonia de paz.
Não consigo sentir o
perfume das flores dando cheiro à minha pele, inundando meu corpo com sua
fragrância, que vem trazida pelo nosso irmão vento em forma de brisa.
O que mais me preocupa é
não conseguir me emocionar com o sorriso de uma criança, quando ela tem motivos
para sorrir. Nem sentir compaixão com seu choro, quando tem motivos para
chorar.
Às vezes penso que sou
louco.
Gostaria de ser!
Gostaria de não sentir.
Mas como não sinto,
tenho certeza que não sou louco. Os loucos não sentem saudade. A falta de
alguém ou de alguma coisa não os emocionam, choram e riem ao mesmo tempo sem
saber o porquê.
Outro dia, em uma das
raras vezes que alguém se dispôs a dar-me atenção, falou-me que meu
comportamento era causado pela ausência de Deus.
Será?
Pode ser verdade!
Pode ser verdade!
Eu O procurei em todas
essas coisas que não senti, e não encontrei. Como não encontrei, achei até
que não existia. Quando pensei assim, descobri que essa era a minha loucura. Não sou
louco! Sei que minhas emoções estão escondidas dentro de mim, não
pela ausência de Deus, porque não foi Ele que me fez ficar assim.
Pensando bem, foi
ausência sim.
Eu estava ausente de
tudo.
Antes que as emoções me
abandonassem, procurei Deus desesperadamente em muitas pessoas, e em muitas
religiões, e lá também Ele não estava. Então percebi que aquela pessoa, ao
dizer ser ausência de Deus, foi simplesmente porque nem mesmo ela conseguia
encontrá-Lo. E então, tentou me convencer que Ele estava ausente somente dentro
em mim. E abrindo os olhos, percebi que
esta expressão: Ausência de Deus, é fora de propósito. Ele nunca está
ausente. Não precisamos procurá-Lo. Não é necessário ficar procurando. É preciso
deixar se achar quando Ele procura, pois é isso que Ele faz a cada segundo da
nossa vida. Por isso é preciso estarmos
atentos para perceber a maneira como Ele se apresenta a nós: No amigo que
não visitamos. Na pessoa que pede pão. No pobre que não tem médico e nem
medicamento. No ser humano que mora na rua. Disfarçado em pai e mãe que se
doam uma vida inteira, para depois verem seus filhos pagarem para que sejam
recolhidos em um asilo qualquer. Na figura de um filho que é abandonado, e sozinho
tem que achar o caminho das pedras para não se enveredar nos labirintos escuros
do crime ou das drogas.
E assim por diante.
E assim eu fiz.
Se não sou louco, posso
parar em qualquer lugar, mudar o jeito de ver as coisas, lutar para ficar
visível aos olhos de quem me criou, e que ainda me trata como criança de colo.
O colo de Deus.
O brilho da Sua luz
chega com mais intensidade naqueles que lutam para contribuir na construção de
um mundo fraterno. Mesmo sabendo que não vai conseguir mudá-lo, não se acomoda,
faz aquilo que Deus quer de cada um: ser semente e semeador. Sendo assim, o milagre da vida ganha
sentido e contornos de felicidade em quem não se esconde e deixa-se levar nos
braços que embala, na luz que precisa ser repassada, no brilho dos olhos e no
sorriso de quem deixou-se tocar pela graça que veio do céu.
E então...
O nascer e o pôr do sol
são os milagres da vida que se renova todos os dias, as imagens refletidas
nunca se repetem. Cada amanhecer e anoitecer trazem uma beleza diferente aos
olhos de quem contempla.
O perfume
das diversas flores, e o cheiro da relva. Mesmo sentindo falta da irmã água,
com raízes fincadas na mesma irmã terra, inunda o ar e a nossa alma com odores
divinos, e o cheiro experimentado parece nos dar uma ideia do perfume dos
deuses. O sorriso de uma criança nascida em berço de ouro não é diferente do
sorriso dos filhos dos pobres, mas é o exemplo máximo da alegria que Deus sente
por nos ter criado à sua imagem e semelhança. E o pôr-do-sol vem fechar o dia com
chave e ouro, espalhando seus raios coloridos para enfeitar o mundo que foi
criado para todos. Mas infelizmente, muitos ainda não perceberam que precisamos
cuidar do que ainda existe. Recuperar o que destruímos do espólio que o Criador
do universo nos deixou de herança, para nosso uso e fruto, e que um dia vai
querer de volta.
Não sou louco.
Não existe ausência de
Deus.
Ele é sempre
onipresente,
Ele nos encontra todas
as vezes que queremos sermos encontrados.
Basta querermos e estarmos
sempre visíveis ao Seu olhar.
E dispostos a caminharmos
na sua luz.
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