30 novembro, 2022

PEDINDO PARA NÃO ACORDAR

 

Moro a apenas a quarenta minutos de Belo Horizonte, a capital das Minas Gerais. 
Não gosto de cidade grande e só visito a capital quando é imprescindível para resolver algum problema ou fazer alguma coisa que não consigo na minha cidade. 
Hoje foi um desses dias. 
Andando pelas ruas às nove horas da manhã com um sol de primavera bronzeando o corpo de quem mora onde não tem praia, fiquei observando as pessoas donas do mundo, ou sem mundo, dormindo debaixo das marquises. Exatamente como acontece em todas as cidades do nosso país e em praticamente em todos os lugares do mundo. E vi muitos homens, mulheres e crianças, drogados ou bêbados, ou simplesmente abandonados. Não sei se pareciam dormir, ou pareciam estar mortos.
Abandonados...
Pela família.
Pelas igrejas. 
Pelo sistema. 
Ou por elas e eles mesmos. 
Uns pareciam dormir o sono dos justos como se estivessem em um hotel sem estrelas ou de muitas estrelas que enfeitam suas noites não se importando com o burburinho das pessoas e dos veículos no vai e vem de uma cidade que é a terceira maior do país. O sol bate forte em seus rostos queimando suas peles já acostumadas com as agruras da natureza, mas mesmo assim não acordam. 
Sem família.
Sem amigos. 
Sem um simples café da manhã. 
Sem amanhã! 
Com “vizinhos” passando apressados preocupados com suas vidas.  As horas vão passando e aumentando o calor e o barulho do vai-e-vem vai ficando cada vez mais alto e os olhos começam a piscar em mais um despertar de dor.
É preciso acordar!
Mas suas pernas estão lhe dizendo para não acordar  porque estão pesadas demais e cansadas de andar para muitos lugares, ou para lugar nenhum. Suas mãos estão dizendo para não acordar porque estão cansadas de se estender para o passante e sempre serem recolhidas vazias de tudo, principalmente de amor. Seu estomago está pedindo para não acordar porque está cansado de sentir fome e que quando bate aquela vontade danada de comer alguma coisa tem que se alimentar com a esmola ou com o resto da lata de lixo que não serve nem para o cão sarnento, que também mora na rua. 
Seu coração parece lhe dizer para não acordar porque está cansado de bater sem nenhum motivo, e quando se bate para o nada a vida se transforma em um emaranhado de pensamentos sem sentindo misturando as ideias, muitas vezes, nem sabendo quem é, de onde veio e para onde vai.  O subconsciente também está implorando ao cérebro que não acorde para isso que muitos chamam de vida, sem sentido e sofrida, e que alguns chamam de liberdade. 
Parece que o corpo inteiro, numa sintonia de entrega está pedindo à alma para abandoná-lo, evitando que acorde, porque sem ela o sol já não queima, a indiferença já não machuca e a fome deixa de ser um fantasma. 
As horas vão passando e aumentando o calor, o barulho do vai-e-vem vai ficando cada vez mais alto e os olhos começam a piscar em mais um despertar de dor. 
Sem cama. 
Sem família. 
Sem um simples café da manhã. 
Sem amanhã! 
Com “vizinhos” passando apressados preocupados com suas vidas. 
Mas é preciso acordar! 
A gente não tem o poder de dispor da vida ao nosso bel prazer.
Mas por incrível que pareça, de vez em quando alguns desses trapos humanos conseguem fugir desta prisão sem grades e mudam o rumo de suas vidas. E lutando contra todas as incertezas e sem a mínima chance de ver sua vida mudar, humildemente, conversando com o Criador, deixam-se tocar e se levar pelo Espírito Santo que liberta. E sentindo-se tocados por essa luz que não queima conseguem sair das ruas, e hoje levam uma vida diferente daquela que pensavam ser o seu jeito de viver para sempre.
Agora... Seus endereços não são mais ignorados ou debaixo da marquise tal. 
Mas é preciso que mais pessoas se deixem levar por essa Luz que não queima para que ela continue derramando seu espírito, e que em algum lugar, outros sejam atingidos por este raio e algo de concreto possa ser feito para que as ruas das grandes cidades deixem de ser depósito de lixo, de homens, mulheres e crianças, imagens e semelhanças de Deus.
Não precisamos esperar esses milagres acontecerem.
É preciso que muitas pessoas enxerguem as outras com o mesmo olhar que gostaria de ser olhada.




Um comentário:

  1. Maravilhosa tua reflexão sobre esse terrível fato do nosso cotidiano. Infelizmente a invisibilidade dessas pessoas é grande e estão ali à espera de um donativo, de um café para aquele dia...Mas os demais dias? É um problema muito complexo, pois envolve governos e muitas vezes da vontade deles mesmo dali saírem... Na certa, melhor nada disso ver, mas mesmo não VENDO, sabemos que EXISTE!

    Um abraços, tudo de bom,chica

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