16 novembro, 2011

REENCARNADO ANTES DE MORRER

EM REVISÃO


BRINCANDO DE ESCONDER



JOVENS ZUMBIS

Fico analisando a maneira de como vivi nos longos dias dos meus setenta e dois  anos e cheguei à conclusão que passei por duas vidas diferentes. Até os vinte eu não sabia o que era médico, o que era transporte coletivo e o que era fila para alguma coisa ou para coisa nenhuma. 
Sinto saudade da minha primeira encarnação.
Aos sete anos fui para a escola e ela ficava a cerca de uma hora à pé da minha casa e o trajeto era feito descalço carregando uma capanga feita com o pano dos sacos de arroz, e eu levava um caderno, um lápis e uma borracha, quando tinha. A hora do recreio era a mais esperada e depois de um prato de sopa com alimentos sem agrotóxicos, uma pelada no campo de terra fazia a gente voltar para a sala pingando suor. A professora conhecia cada um de nós pelo nome e pegava na mão dos que tinham dificuldades para começar a rabiscar as primeiras letras. 
Quando voltava para casa a minha mãe, carinhosa, como todos os dias,  esperava eu e meus irmãos e irmãs com um prato de arroz com feijão com alguma verdura colhida no quintal, carne era só aos domingos. Quase todos os dias tínhamos que ir ao mato buscar lenha porque o fogão a gás ainda era coisa do futuro. e isso era uma festa. As matas ainda guardavam segredos como seus deliciosos frutos, gabiroba, cagueitera, araçá, pêssego e muitas outras guloseimas que hoje são frutos e frutas do passado. A fruta mais gostosa era a do quintal do vizinho onde a gente ia matar gambá e raramente alguém se importava e os vizinhos dividiam com os outros tudo que possuíam.
Nada de rádio. Televisão era sonho de consumo dos ricos. 
Luz elétrica também era! Estudar à luz de lamparina. Ir na “casinha que ficava no quintal para fazer as necessidades fisiológicas ou para dar uma bela de uma mijada no tronco de uma árvore qualquer que enfeitava os quintais. Brincar na enxurrada depois de uma chuva torrencial que tinha mês e dia para cair. Procurar o “Nego Fugido”, jogar Bent-altas e bater uma pelada com bola de meia. 
Eu tinha que ir à missa todos os domingos e ficar calado sem entender nada que o padre dizia.
Esta foi a minha primeira e feliz encarnação. 
Na reencarnação, mesmo sem ter morrido, vou relatar o que observo na vida de outras pessoas e o porquê de não conseguir me inserir nesse mundo movido à máquinas e a chips. Não gosto, não quero e não sou fissurado em tecnologia e o meu celular tem apenas que fazer e receber ligações e o meu relógio precisa apenas que marcar as horas.
Os tempos modernos me intrigam. 
Ter que ouvir barulhos horríveis que muitos chamam de música que tocam em alguns carros numa barulheira infernal. Pegar o ônibus e  ouvir as conversas quando o passageiro ao lado cisma de mostrar que é popular e que tem muitos contatos torram a minha paciência. Outro dia no ônibus um jovem de aproximadamente uns vinte anos sentou-se ao meu lado para uma viagem de aproximadamente uma hora. De repente enfiou a mão no bolso e sacou o celular, aproximou-o do nariz e ficou vidrado em um jogo virtual como se nada mais existisse ao seu redor. E eu ali tentando entender o que se passava na cabeça desses meninos!  Eles não conhecem as frutas da minha infância e nunca viram um rio com água cristalina e não bebem água direto da fonte. 
E vejo crianças de cinco anos carregando um celular, presente dos próprios pais! 
Onde foram parar as bonecas e os carrinhos de rolimã?
A atual geração não terá muita coisa para contar,  ou talvez seja eu que não quero enxergar muitas coisas.
Pensando bem, eu não vivi duas vidas. 
Esta segunda eu apenas assisto. 

3 comentários:

  1. Olá Geraldo, querido amigo,
    Sabe que você tem razão? Quando eu penso nos tempos de minha infância e mocidade, as coisas eram muito diferentes de agora. Antes, não nos metíamos nas conversas dos mais velhos. Do contrário, era surra na certa. Comíamos em silêncio junto com papai e mamãe, sem dar um pio.
    Hoje, as crianças, além de fazerem uma algazarra à mesa, ainda dão palpites quando os adultos conversam entre si. Vêem TV e sabem mais do que nós. Falam no celular, lidam com o computador como se estivessem fazendo algo muito simples, o que, cá prá nós, às vezes, não sabemos quando e como lidar com os PCs.
    Gostei muito de seu texto, pois tudo o que escreveste é verdadeiro. Foi-se uma época de ouro, que guardamos na lembrança com muitas saudades.
    Um beijo, amigo.
    Maria Paraguassu.

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  2. Olá Geraldo, tudo bem?
    Vou usar o mesmo termo que utilizei no primeiro comentário que estabilizava nosso contato: "Seu texto é concordável em alguns pontos discordáveis..." Já parei há algum tempo para pensar sobre este assunto. Li e reli seu texto, e achei interessante comentar não somente para mostrar meu ponto de vista como também para parabenizar-te pelo coloquialismo usado na linguagem verbal do texto que cultamente não falaria tanto nem passaria esta mensagem tão boa que passou. As coisas mudam, evoluem as vezes para melhor outras para pior, mas enfim... Esta escolha entre o que foi bom e o que não parece ser nada agradável é pessoal. Somente poderá dizer "na minha época as crianças brincavam" por simplesmente o século expor outros tipos de brincadeira. Eu digo isto porque ainda pude desfrutar um pouco do esconde-esconde, pula corda, carrinho de rolimã e coisas do tipo em minha infância. Naquela época a "rua", que era menos violenta, era mais desejável que a televisão. Hoje, será mesmo agradável deixar os filhos nas ruas em contato com a violência? Com as drogas? Com o risco a pedofilia? Para assim poderem brincar de carrinho de rolimã? Seria mesmo agradável convidar as coleguinhas para brincar em casa de boneca? E acabar incentivando o desejo de ser mãe que com acesso a outras tecnologias como televisão e internet deixa tudo mais claro... Isto não é egoísmo! É cuidado, é preocupação... As coisas evoluíram, e deveriam evoluir, para preservar, de certa forma, o que ainda resta a ser preservado. O ponto mais forte do seu texto e que de certa forma falou mais comigo foi: "[...]A geração de hoje não terá muita coisa para contar. Ou irão contar muita coisa que não valeria a pena ter vivido." Do trecho extraído tenho duas coisas a dizer. Ao mesmo tempo que consigo concordar discordo do que havia concordado, dá para imaginar dois assuntos a serem contados no futuro um seria o tempo perdido e o outro o tempo não conquistado. As coisas mudaram e interferiram diretamente no modo de vida das pessoas... Hoje, a ausência de amor, ou o desconhecimento dele acaba gerando este desconforto naqueles que um dia amaram a própria vida e que hoje sente saudade amando a sua própria história. Você viveu, eu vivi, mas hoje poucos vivem... Deixo para você refletir esta última citação.

    Abraços, Wesley Carlos.

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  3. Boa noite estimado geraldo,

    Li e reli seu texto e construi nele, mentalmemte, uma parede transparente, de onde podemos ver e ter dois mundos, duas visões.
    Uma parte, a sua, que é pura saudade e, também verdade, nalguns pontos. Mas, descalço para a escola, caderno, lápis, borracha, quando tinha?
    Era feliz, claro, era criança e ainda não entendia as desigualdades sociais, e o importante era brincar e gozar a sã convivência desses tempos.
    Outra parte, a dos outros, a dos mais recentes, dos mais novos, que você.
    No século XXI, e mesmo nos finais do anterior muita coisa mudou, umas vezes positivamente, outras em sentido contrário.
    Louvemos o avanço da medicina, da instrução (a taxa de analfabetismo diminuiu substancialmente) e, da tecnologia.
    Falemos dos valores a manter e a valorizar: educação, sã convivência, respeito por todos, especialmente pelos mais velhos ou por pessoas com deficiências. Há que "meter" na cabecinha dessa criançada, dessa juventude, que o amor é universal e que tem uma só linguagem.
    Hoje, as famílias estão sem estruturas emocionais, pilares fortes, que a sua tinha.
    O mundo está em mudança e mutação, sejamos francos.
    O desejo de riqueza fácil está arruinando as mentalidades.
    Como é que os pais podem incutir a seus filhos princípios básicos, elementares de solidariedade, de fraternidade e de igualdade, se eles não os possuem?
    Ninguém pode dar o que não tem.

    A SOCIEDADE ESTÁ VIVENDO UMA CRISE DE VALORES, NÂO DE ECONOMIA.

    NO SEU TEMPO SE VIVIA UMA CRISE DE ECONOMIA, MAS HAVIA VALORES.

    Vamos retirar a parede e dar as mãos uns aos outros. Formemos um círculo. o mundo é perfeito.

    O AMOR NOS LIGOU, NOS UNIU.

    Abraços de luz.

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