15 julho, 2013

SOMOS INVISÍVEIS.

Escrevi esse texto no dia 17/02/2007 e hoje o lar vicentino Divino Ferreira Braga é referência nacional da SSVP no Brasil. Hoje não estou autorizado a falar em seu nome.










Sou presidente voluntário de um asilo para pessoas carentes, um título muito pomposo para o responsável por  uma instituição que somente oferece casa e comida. Não sei se sou responsável por vidas ou por mortes dos cinquenta internos cuja maioria só recebe uma visita de vez em quando, mesmo assim de não parentes. São doze acamados e mais de vinte com algum tipo de distúrbio mental. Não sei se por problema de arquitetura ou por falta de dinheiro, aqui não temos alas separadas para homens e mulheres e muitas vezes parece que estamos em um jardim de infância, e os nossos moradores, como crianças, ficam esperando alguém chegar com um presente que pode ser simplesmente um gesto de carinho para os esquecidos pela família, abandonados pela sociedade e deserdados pelo governo! Quase não se vê um sorriso espontâneo e alguns lamentos ecoam pelas paredes parecendo querer gritar aos quatro cantos que o abandono é a mais terrível forma de aprisionar.
Na enfermaria, corpos esqueléticos que há muitos anos não recebem o afago de um parente ou mesmo de um amigo mais próximo porque nesta altura da vida famílias e amigos são apenas lembranças. Apesar de tudo tentamos fazer da casa um ambiente alegre e um lugar agradável, mas como transformar um depósito de pessoas em um lugar agradável e bom para se viver e bonito para se olhar, se somos invisíveis? A sociedade insiste em não enxergar a casa, mesmo estando ela cravada no meio de um dos bairros mais antigos e tradicionais da cidade. Do pátio vislumbramos a torre de uma igreja que acolhe as pessoas que passam na porta do asilo e dizem ir se encontrar com Deus e fortalecer os contatos com a comunidade. Alguns nem olham para o asilo porque  fecham os olhos e ouvidos para os apelos do Criador:
“Eu estive preso e me visitastes”. “Estava nu e me vestistes”.
Somos vizinhos de uma das mais importantes universidades do país
 e ela também nos ignora. De vez em quando usa o nosso espaço e as nossas carências e os moradores como cobaias para estagiários que são como o vento, passam e deixam o frescor de uma brisa ou o estrago de um vendaval e vão embora. São como os enamorados que se apaixonam ao primeiro olhar, trocam juras de amor e deixam rolar algumas lagrimas e enxugam o rosto e se afastam para sempre.
O governo sabe que a casa existe, mas têm outras prioridades, as que dão retorno político, como as obras eleitoreiras e a assistência social para tirar retrato. Aqui nós não falamos de política partidária e os nossos moradores não são eleitores e não tem a quem pedir para votar em alguém. Todo mês somos agraciados com uma pequena ajuda de custo que não deixa de ser importante, mas o que nos aborrece é ter que manter uma placa dizendo que existe um convênio entre a instituição e o governo que não admite que as instituições de caridade realmente sérias são o pêndulo da balança que equilibra o serviço social do país e mesmo assim nos tratam como mendigos que precisam esmolar nas esquinas para não morrer de fome. A única esperança é de um dia, nós enquanto instituição, a sociedade enquanto responsável, e o governo enquanto obrigado a cumprir a constituição, unirmos forças para mudar este lamentável equívoco em que se transformaram essas casas. Precisamos lutar e não medir esforços para dar um tratamento digno aos filhos de Deus, enteados, padrastos ou madrastas ruins da sociedade. Filhos bastardos e deserdados pelo governo que tiveram coragem de vencer as agruras da vida e envelheceram. Só assim poderemos evitar que esse grito de lamento ou de alerta fique pairando no ar e infernizando as cabeças e o pensamento dos que insistem em ignorar a vida, que mesmo agredida, renasce em cada morador novo que chega.
Queremos que olhem para dentro desta casa com o mesmo olhar que os moradores olham para fora.
Loucos para dar um grito de liberdade.

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