14 setembro, 2010

ASILADO OU EXILADO?



Ficar velho é desencontrar de tudo que foi feito e das coisas que plantou com carinho e dos filhos que gerou com amor.
É parar no tempo e sentir que o líquido da vida já não corre nas veias como há uns anos atrás. É não ouvir mais as batidas do coração já cansado e que não mais consegue alimentar o corpo. É sentir que a morte chegar implacável e aceitá-la resignadamente mesmo sabendo que a vida seria muito melhor se as pessoas que amamos nos ajudassem a ir ao seu encontro com serenidade e com carinho.  
Pais e Mães, enquanto tinham forças lutavam para que os filhos pudessem crescer com dignidade, e quando suas casas se enchiam de filhos, de netos e bisnetos e a saúde permitia, a mãe ia para o fogão fazer coisas gostosas e o pai com muito carinho preparava o churrasco que era consumido com alegria.
Os pais eram amados e essenciais na união da família.
Hoje, são velhos e motivo de discórdia.
Poucos se colocam à disposição para ajudar a cuidar daqueles que não souberam fazer outra coisa na vida a não ser se preocuparem com os filhos e filhas. Qualquer quartinho serve para abrigá-los, isto é, quando a família deixa que ele ocupe um pequeno quarto na sua própria casa ou no quartinho dos fundos onde os trastes são jogados em qualquer lugar!
Não aguento mais, ela parece criança!
Lugar de velho é no asilo!
Eu não posso nem sair de casa!
Quantas vezes essas frases são repetidas em muitos lares de pessoas pobres e de pessoas ricas?
Quando você era criança seus pais não lhe levaram para um orfanato e agora você quer levá-los para um asilo?  Seu mundo é muito pequeno para acolher quem lhe deu a vida e sua casa é pequena para abrigar quem te abrigou até transformá-lo (a) no que és hoje.  Se seus pais lhes dão trabalho e perturbam o seu sono, pense nas inúmeras vezes que ele teve de ir para o trabalho com sono porque você chorou a noite inteira e não o deixou nem cochilar. Pense nas noites que ela ficou com você no colo te acariciando tentando faze-lo dormir e teimavas em ficar acordado. E quando você ficar velho qual será o seu lugar?  
Enquanto você tem tempo e saúde visite um asilo e diga para si mesmo, você gostaria de morar ali?  
Converse com os exilados e descobrirá que a grande maioria gostaria de estar morando em um barraco de favela ou perambulando pelas ruas a estar ali vinte e quatro horas por dia sem fazer nada a não ser esperar a morte que a cada dia leva um de seus companheiros.
Pergunte qual é o grande sonho deles e verá que a grande maioria quer voltar para sua casa e verá que muitos sentem saudades.
E como dói!
Deve ser muito doloroso ficar horas e horas olhando para as paredes pensando no sorriso do filho, da filha e da esposa e nos aborrecimentos e carinhos dos netos.
Uma vez fui fazer uma sindicância onde uma filha e os outros familiares queriam colocar a  mãe de noventa e cinco anos no asilo. Eu ponderei que  qualquer um de nós poderia morrer primeiro, e que ela estava com a idade avançada e que poderiam esperar um pouco mais. Lembro como se fosse hoje, a filha que pediu a sindicância tinha sessenta anos e suas três filhas moravam nos barracos construídos no lote da avó. A senhora disse que a mãe dava muito trabalho e resmungava por qualquer coisa e que ninguém queria ajudar nos cuidados que a velhice dela exigia. Como a idade limite para acolhimento no asilo era exatamente sessenta anos propus levar as duas e a filha prontamente recusou dizendo que não era mais preciso levar sua mãe. Em outra sindicância uma família de onze filhas e um filho queriam colocar o pai no asilo. Ele morava em um pequeno quarto nos fundos da casa de uma delas e o genro me disse que ele dava muito trabalho e que gastava muita água para lhe dar um banho. Propus construir um banheiro com chuveiro e ele disse que o sogro era muito pesado. Propus arranjar uma cadeira banho, e então me deu uma raiva danada porque vendo que estava ficando sem saída ele me falou que tinha nojo de dar banho no sogro.
Provoquei uma reunião com toda a família e vi o tamanho do desencontro que infelizmente existe em muitas outros lares. Um dos genros disse que só aceitaria o sogro em sua casa se ele ficasse trinta dias na casa de cada um. Eu ponderei que estávamos falando de um ser humano e não de uma bicicleta velha que cada um jogaria por cima do muro de trinta em trinta dias.
Depois de muita discussão decidiram que iriam cuidar do pai, mas não sei se infelizmente ou felizmente, ele faleceu vinte dias depois. Os filhos não tiveram o prazer de cuidar de quem havia lhes dado a vida.
Eu poderia ficar narrando inúmeros casos, cada um mais triste que o outro.
Os nossos idosos não nos interessam e seus problemas são naturais da velhice e da morte que se aproxima e suas histórias já não nos dizem respeito. Um  asilo de caridade deveria ser um lugar onde a visita fosse restrita aos filhos e irmãos reconhecidamente carentes, a familiares distantes, aos amigos e aos visitantes desconhecidos. Um filho  ou filha sem problemas financeiros não deveriam ter o direito de visitar um pai ou uma mãe.  Asilo não é lugar para pessoas que ainda tem filhos, a não ser que a pobreza absoluta seja a única causa do asilamento.
Nossos idosos precisam de liberdade, e nesses casos, um barraco na favela é melhor que o mais luxuoso dos asilos.
Precisamos estar alertas, o tempo passa depressa e vamos ficando velhos e se não soubermos educar nossos filhos e filhas o nosso futuro poderá estar em um asilo ou jogado em um quartinho onde se guardam os trastes inúteis.
                                      

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