31 agosto, 2010

A GENTE SE ACOSTUMA


Este texto foi escrito em 2006, logo após me demitir de um cargo comissionado que ocupava no almoxarifado do hospital regional da minha cidade. Foi acessado 1,500 vezes no USINA DE LETRAS.


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Sei que muitas vezes escrevo algumas baboseiras e talvez por falta de conhecimento acadêmico, mas sempre escrevo sobre aquilo que me incomoda e a precariedade do serviço de saúde está muito presente na minha vida.
A gente se acostuma!
Esta frase é repetida inúmeras vezes em todos os hospitais públicos deste país das desigualdades.
Se o SUS é um dos melhores programas de saúde pública do mundo, por que será que o serviço de saúde do país é tão ruim?  
A culpa é dos governantes que só se preocupam com obras eleitoreiras e acham que o cemitério é o lugar ideal para enterrar os problemas da saúde? 
Quando alguém morre por falta de um medicamento ou de algum material médico e o atestado de óbito esconde a verdadeira causa da morte, a culpa é de quem? Dos burocratas que não compraram ou do profissional que omitiu a verdadeira causa da morte?  Quando uma pessoa espera meses por uma cirurgia e quando este dia está chegando ela recebe um telefonema cancelando o procedimento com a desculpa esfarrapada de que a “Máquina” está quebrada escondendo a falta dos insumos e dos medicamentos e essa pessoa morre à mingua, a culpa é só de quem não comprou?
Por que não denunciar?
Medo de perder o emprego?
Comodismo?
Ou tudo é como se diz nos corredores. 
A gente se acostuma!
Até com as mortes que poderiam ter sido evitadas.
O que os psiquiatras e psicólogos pensam do atendimento aos pobres com algum distúrbio mental? Eles juram que o lugar deles é junto com seus familiares, Mas onde é o lugar dos familiares?
Nos anos oitenta foi feito uma campanha contra os manicômios e fecharam essas instituições onde os doentes eram tratados como animais irracionais por médicos e funcionários pós-graduados em grandes universidades e reprovados na universidade da vida  e maus alunos na matéria: Ser humano.
Os manicômios, de unidade de saúde não tinham nada, na verdade eles eram um inferno para onde eram levadas as pessoas que tinham vontades próprias e que queriam ser livres. Para onde eram levados os inimigos do governo e os pobres que vagavam pelas ruas e as prostitutas e prostitutos que vendiam seus corpos.
Os manicômios não eram um lugar para o tratamento da demência, mas, um local de torturas e mortes. 
Quando eles foram fechados, os políticos,  mais uma vez com a conivência de psiquiatras e psicólogos chegaram à brilhante conclusão de que a melhor solução seria mandar os doentes de volta para suas casas porque eles precisam se socializar.
Voltar para junto da família!
Brilhante ideia!
E quando o paciente não tem casa?
E quando o paciente já não tem família?
Onde foram parar doentes pobres? 
Para suas casas certamente a maioria não foi!
E os que adquiriram a doença depois?
Junto com a família o tratamento é humanizado? 
Quando a família é rica as pessoas colocam seus parentes em uma clínica onde os visitam nos primeiros dias e depois esquecem que ele ou ela existem, e tudo estará resolvido. 
Quando a família é pobre os familiares suportam e sofrem por algum tempo e depois procuram um asilo de caridade para internarem seus entes, talvez  nada queridos. 
E com isso muitos asilos perderam suas essências. 
As instituições de caridade se sentiram na obrigação de acolher essas pessoas, mesmo que isso vá levar à loucura os moradores lúcidos, os funcionários que não estão preparados e os voluntários que ficam sem ação. 
E vem os psiquiatras e os políticos dizendo que a palavra asilo está proibida e que essas casas devem ser chamadas de Lar.
Lar! 
Onde estão os filhos, os irmãos, a esposa ou o marido para constituir este lar? 
Sou responsável voluntário por um desses “lares” com quarenta internos, sendo treze acamados e mais de vinte com algum distúrbio mental.
Onde estão os psicólogos e psiquiatras? 
Com certeza, nos consultórios acarpetados esperando um biruta qualquer para pagar uma consulta.
Em substituição aos hospitais psiquiátricos o Ministério da Saúde determinou em 2002 a criação dos Centros de Atenção Psicossocial em todo o país. 
Os CAPS são espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais em tratamento não-hospitalar  
Em muitos casos, alguns pacientes são levados ao Cersan uma vez por mês para tomar um “sossega-leão” e deixar sua família dormir algumas noites em paz. Em outros casos, alguns pacientes são recolhidos durante o dia e devolvidos à noite nas suas casas. Eu disse recolhidos e devolvidos porque esta é a impressão que se tem do atendimento nessas unidades. 
Na minha cidade com mais ou menos quatrocentos mil habitantes o Cersan tem apenas sete leitos para acolher esses pacientes. 
Cuidar da pessoa com algum distúrbio mental é obrigação do poder público.
Que continuem fechados os Manicômios e que se abram mais casas de acolhimento gerenciadas por seres humanos que não tenham nenhum compromisso de votar ou pedir voto para alguém.
Quando isso acontecer os funcionários das unidades hospitalares poderão esquecer de vez a famosa frase: A gente se acostuma.


Um comentário:

  1. Geraldo, outro dia ouvi de um padre que o bem maior que Deus nos deu não é essa vida, e sim a vida eterna, essa vida passa, e devemos sofrer com paciência; com sertesa essas pessôas estam com DEUS, eu tambem vi muitas veses na TV essas pessòas nos manicôimios, tratados não como animais, pois animais são bem tratados, ou eles se viram para sobrevivêr, faz parte da naturesa, não tenho palavras para expressar tamanha crueldade com seres humanos, o que faziam com os doentes mentais, mais com sertesa Deus olha por eles..

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